"Tá achando que as coisas são fáceis - pensou ela, acariciando os cabelos da menina que dormia chupando o dedo. - Vai aprender que comigo as coisas não são como quer... Vamos transar sim... só que vai ser no seu quarto, na cama que tua mulher dorme! Ali sim, abro as pernas pra você... Só ali!"
Mal
amanheceu o dia e Fernanda já estava a postos na cozinha, preparando o café da
manhã. Eram seis horas da manhã e ela já estava de pé uma hora antes; ainda era madrugada quando foi ao portão e viu Jayme em pé ao lado de um poste fumando um
cigarro.
O
sujeito se aproximou do muro e a moça disse, depois que tirou o anel que
surrupiara do baú da velha senhora e entregou a ele:
-
Toma, vê quanto vale.
Jayme
virou o anel entre os seus dedos e comentou:
-
Espero que o suficiente pra você sair daí logo.
-
Não tem motivo pra tanta pressa - sussurrou Fernanda. - A trouxa da patroa
confia em mim...
-
Por enquanto - disse Jayme. - Mas vamos que sua tia solte pra alguém do bairro
quem é você?
-
Ela não faria isso...
-
Não garanto não... e sabe quem mora em frente da birosca? Belinda.
Fernanda
não disse nada. Jayme continuou:
-
E a irmã dessa tal de Belinda que intermediou sua vinda...
Fernanda
balançou a cabeça e rosnou:
-
Para com isso, Jayme! Dessa vez nada vai dar errado! Vá, vê quanto vale esse
anel. De onde isso veio tem mais. Pode ser nosso pulo do gato!
Jayme
guardou o anel no bolso da sua calça de linho, deu um beijo nos lábios da moça
e disse:
-
Tô contando as horas pra te pegar de jeito na nossa cama...
-
Todo sacrifício é válido pra gente ficar rico, meu bem - disse Fernanda,
entrando na casa.
Agora
na cozinha, matutava sobre uma ligação que ouviu de Vera. O que ela queria com
a antiga empregada?
"Espero
que minha tia não tenha falado mais que devia..."
Se
fosse isso, Jayme ia ter que dar um jeito naquela cachaceira...
************
Aurélio
acordou mal-humorado. Bem azedo. Praticamente tomou o café da manhã mudo,
evitando olhar para a nova empregada. Seu ego machista foi arrebentado quando
não conseguiu concretizar seu plano. Fernanda também evitou o patrão. Para ele,
ela devia ter se arrependido de ter deixado Dequinha dormindo no seu quarto.
"Ora bolas! Desde quando ela foi contratada para ser babá de uma pirralha
medrosa?", pensava ele enquanto esvaziava a xícara de café. Pegou sua
pasta e saiu de casa sem falar com sua esposa, que ainda dormia.
Sentia
que tudo ia dando errado nesses últimos dias. Não sentia mais a tranquilidade
que tinha dentro do mausoléu. Sua garantia de envelhecer ao lado de Vera
desmoronava como um castelo de baralhos.
Estava
sentindo uma estranha sensação dentro de si, como se o avisasse que Vera
tomaria uma decisão logo em relação ao casamento.
E
se viu saindo dali, sem eira nem beira, sem nenhum tostão furado no bolso, à
mercê da vida real.
Enquanto
descia a colina, matutava sobre tudo isso. E um leve desespero tomava conta de
si.
************
As
crianças tinham ido ao colégio naquela Kombi enferrujada e a imbecil da patroa
ainda dormia. A velha esclerosada a esperava no seu quarto, ainda de camisola e
fraldão mijado, mas Fernanda não tinha pressa de atendê-la.
Estava
sentada à mesa da cozinha com o papel que encontrara no bolso da camisa do
tarado impotente. Girava a folha de um lado ao outro, pensando o benefício que
teria com aquilo.
Dois
dias atrás ouviu Aurélio tentando convencer que Vera vendesse o casarão, e o
fora que levou dela. Desse dia até hoje não se falou mais disso.
-
Significa que o merda é tão ruim que não conseguiu nada...
Cem
mil... Era um dinheiro bem atraente. Fernanda dobrou o papel e pensou:
"Dessa
vez não vou entrar em nenhuma furada com Jayme. Vou deixar que ele pense que
ainda somos parceiros... Mas o que quero mesmo é meter a mão numa bolada
forte..."
Por
isso não falara nada com ele sobre a carta. Esse era seu negócio; pra Jayme,
ela estava ali pra roubar joias. Mas pra que correr esse risco se podia ser
dona de tudo?
E
era tão simples... Aurélio ficaria caidinho por ela e faria tudo que
mandasse...
Principalmente se sua esposa morresse!
**************
Vera
acordou com o celular tocando. Tateou pela mesinha ao lado, derrubando sem
querer um copo de água pela metade e encontrou o aparelho. Ainda com os olhos
fechados, atendeu.
-
Alô... - resmungou com uma voz pastosa.
-
Bom dia, Vera. Sou eu, Rodrigo.
Vera
fez uma careta e viu as horas no relógio de cabeceira. Não eram nove horas
ainda. Percebeu também que Aurélio já tinha se levantado.
-
Me acordou... - disse ela, triste.
-
Desculpe... Não sabia que ainda tava dormindo.
-
Não se preocupe. Já tá na hora de levantar mesmo...
-
Queria te ver. Ontem nem dormi direito por causa da cena que minha ex-mulher
aprontou...
-
Deixa pra lá. - Vera sentou-se na beira da cama. Pousou o celular no ombro e
caminhou ao banheiro. - Hoje não posso sair de casa, tenho que resolver algumas
coisas...
-
Posso te ajudar? - Perguntou Rodrigo, solícito.
-
Por enquanto não. Mas se eu precisar, pode ter certeza que te chamo.
Houve
um breve silêncio no outro lado da linha. Vera pensou que a ligação tivesse
caído, mas logo em seguida ouviu a voz dele:
-
Amanhã... eu vou passar o final de semana com as crianças. Podemos nos
encontrar em Itaipu... Um almoço...
Vera
considerou o convite com carinho.
-
Boa ideia. As crianças precisam sair mesmo... você não imagina o que estão
aprontando com a nova empregada... De repente, com seus filhos eles acalmem um
pouco...
-
Mais tarde te ligo pra combinar o lugar.
-
Espero sua ligação então - disse ela, desligando o celular. Deixou o aparelho
em cima da pia e se olhou no espelho. Sua cara refletida mostrava um rosto
abatido.
Belinda
ia vir para conversar. Não via a hora para desvendar aquele mistério do
estranho álbum.
********************
Fernanda
entrou na sala principal. A cadela da sua patroa ainda continuava enfurnada na
suíte real. Que ela ficasse lá, de preferência para sempre! Passou os olhos
pelos móveis e encontrou o que queria.
Caminhou
para a poltrona do impotente de pau pequeno e pegou o livro que ele deixara na
mesinha ao lado.
-
Cem anos de solidão... Que título mais escroto! - ela resmungou. Abriu o livro
pelo meio e pegou no bolso do avental a carta que guardara. Deu uma espiada no
teor e riu. - Cem mil reais... Vamos ver se a vaca é esperta... Acho que é... -
Colocou a carta dobrada com a escrita para fora e colocou no meio do livro,
tomando cuidado que as palavras CEM MIL REAIS ficassem à mostra. Fechou o livro
e foi à mesa que a idiota costumava trabalhar. Deixou o livro ao lado de uma
pilha de pastas de processos e se afastou. Voltou para a cozinha, com um leve
sorriso no canto dos lábios.
"Depois
que ela ler essa cartinha indecente, com certeza vai escorraçar o babaca... e
aí entro em cena... Pra que cem mil se ele pode embolsar um milhão? E eu ao
lado dele, depois que ficar viúvo? "
Ela
arquitetou tudo. Só que ninguém podia desconfiar... e esse ninguém significava
sua tia e Jayme...
Fernanda
gostava de apostar alto... E de ganhar...
Nenhum comentário:
Postar um comentário