I
Eles passaram pelo arco e caminharam pelo corredor, onde
a moça de uniforme branco e sorridente os aguardava. Ela apontava para as portas fechadas e dizia:
-
Esse é seu quarto, Jorge, e aqui...
Foi
orientando todos.
Dentro
do quarto, Jorge viu uma cama de solteiro, uma pequena mesa ao lado e uma
janela aberta que dava para a frente da casa. Era um quarto simples, muito
parecido com aquele que dormia na chácara dos seus avós.
-
Só espero que não tenha errado quando vim para cá.
Deitou
na cama, sentindo o colchão de palha massageando suas costas.Até o cheiro da
palha era igual à cama que dormia quando era criança. A cama não era forrada
com lençol e nem tinha travesseiros, mas isso não fazia falta. De repente
descobriu que estava cansado, um cansaço que nunca sentira antes na vida.
Fechou os olhos e buscou algum som lá no jardim, mas novamente só ouviu o
silêncio absoluto. E sem perceber, caiu no sono profundo sem sonhos.
II
Célia
Bangstorm ficou paralisada quando entrou no quarto que lhe destinaram. Ela que
sempre gabara da sua perfeita saúde, que sua pressão nunca subira ou descera,
teve que se conter para não desabar no chão.
O
que era aquilo? Que quarto era esse?
Célia
não acreditava o que tinha diante dos seus olhos.
-
Esse quarto... - ela disse num suspiro de voz - esse quarto é idêntico, uma
cópia fiel, do quarto que tive quando tinha... tinha...
Não
lembrava agora que idade tinha, mas fazia muito tempo com certeza.
E
como era possível que nessa casa, lugar que nunca pisara antes, tivesse um
quarto que foi destinado a ela, igual ao que teve na época que ainda era
solteira?
A
cama de solteiro tinha a cabeceira de madeira envernizada e colchão de molas.
Ao lado, um criado-mudo com um abajur rosa, idêntico do presente que ganhou do
seu pai. Era um quarto simples, pobre, mas antes de ser a senhora Bangstorm,
sua vida não era nem um pouco luxuosa.
Esse
tempo de escassez ela fez questão de apagar das suas memórias. E agora diante
dela parecia que esse tempo reclamava pela lembrança.
Célia
sentou-se na beirada da cama e até a sensação da maciez do colchão era a
mesma. Ela se recusava em deitar ali. Não
podia. Não queria.
Mas
o cansaço falou mais alto e tomou conta do seu corpo. Logo estava deitada mesmo
sem o travesseiro de penas de ganso que costumava usar, e logo fechou os olhos
e emergiu num sono profundo.
III
O
quarto lembrava bastante ao primeiro quarto de motel que fora com seu noivo.
Pelo menos a cama era parecida, Michelle pensou quando se aproximou do móvel.
Era uma cama larga, sem lençol, e o colchão era macio e afundava com seu peso.
Sentia
falta do cigarro entre os dedos, da fumaça queimando sua garganta, da nicotina
correndo sua corrente sanguínea, mas ficou surpresa que dessa vez não estava
tendo um acesso de abstinência como acontecia antes quando ficava sem cigarros.
Tinha vontade de fumar sim, mas era uma vontade insossa, longínqua.
Até
que horas ia ficar nessa casa? Nunca gostou de se atrasar em um compromisso
marcado. Imaginou seu celular tocando várias e várias vezes escondido dentro da
bolsa. E mensagens dos clientes irados pelo seu atraso.
Uma
ideia passou pela sua cabeça e quis afasta-la para bem longe. E se esqueceu a
bolsa em casa? O risco era se o celular tocasse e sua mãe ou seu pai abrisse a
bolsa para atender a chamada. E ali ela guardava sua caderneta com os nomes dos
clientes fieis. O que seus pais pensariam disso?
-
Nem quero pensar - ruminou enquanto se deitava naquele macio colchão.
Por
mais que tentasse explicar os verdadeiros motivos, seus argumentos dissipariam
feito vapor aos ouvidos dos velhos. Por isso esperava que tivesse deixado a
bolsa em outro lugar, até na casa de um cliente se fosse o caso.
-
Não vou sofrer por antecedência - Michelle murmurou antes que caísse em um sono
pesado.
IV
A
primeira coisa que ele fez quando entrou no quarto foi conferir se a janela
estava bem fechada. Para seu desespero, a janela estava aberta e pior, não
tinha nenhum vidro para proteger dos ventos.
Sílvio
correu de volta para a porta do quarto mas no instante que tocou na maçaneta,
sentiu calor. Muito calor.
Largou
a maçaneta e suspirou aliviado. Mesmo que a janela fosse apenas um quadrado
escancarado para o lado da casa onde via um mar verde de mato, se estivesse
ventando lá fora pelo menos não entrava ali.
Isso
era bom. Sempre dizia para sua mãe que com saúde não se brinca. E como sabia
que sua saúde era bem frágil, ele sempre procurou auxílio dos médicos para que
descobrissem qual doença tinha.
Pelo
menos agora se sentia mais protegido dentro da clínica. Finalmente entenderam
que sua saúde era péssima e que precisava de um tratamento bem rigoroso.
O
quarto era simples, tinha apenas uma cama e uma mesinha ao lado. Estranhou que
não houvesse nenhum remédio na mesa, nem um simples comprimido para dor de
cabeça. Julgou que a enfermeira viesse depois com os medicamentos;afinal, mal
chegara na clínica e o doutor ainda tinha que ler nos relatórios que tipo de
remédio podia administrar.
Deitou-se
no colchão ortopédico, ótimo para sua coluna atrofiada, e cruzou os dedos em
cima do peito. Logo a enfermeira vem com meus remédios, logo vou ser medicado
corretamente, logo o médico vai dar seu diagnóstico, logo...
Caiu
no sono.
V
O
quarto estava escuro e encoberto por uma penumbra cinzenta. Horácio procurou o
interruptor de luz, mas não encontrou em nenhum lugar naquelas paredes
descascadas.
Além
da penumbra, o quarto cheirava mal. Horácio foi até a janela aberta e inspirou
o ar no lado de fora, mas não adiantou muito, ali também fedia.
A
primeira providência que tomaria quando saísse do quarto seria fazer uma queixa
formal a respeito daquele aposento sujo. A vista foi se acostumando com a
escuridão e distinguiu teias de aranhas e buracos nos rodapés. Ratos, aranhas e
com certeza baratas. Onde foi se meter.
Mas
se eles achavam que ia desistir e ir embora da casa estavam completamente
enganados. Não era um cheiro ruim ou insetos que o assustaria. Não...
Por
que já passou por isso uma vez e sobreviveu.
Sentiu
o corpo pesado, cansado. Engraçado, quando chegou na casa não se sentia tão
cansado como agora. Provavelmente era o calor que fazia ali dentro. Pela janela
escancarada não entrava nenhuma brisa. Via somente o jardim esturricado e o céu
da cor de chumbo, mas sem nenhuma nuvem carregada.
Decidiu
deitar um pouco naquela velha cama, e o contato dos estrados nas suas costas
não o incomodou. Mesmo deitado arfava como estivesse correndo.
Sentiu
o peso nas pálpebras e logo fechou os miúdos olhos e caiu em um sono pesado,
sem sonhos.
VI
A
alegria tomou conta de Simone quando viu seu quarto decorado com vários buquês
de flores espalhados pelo aposento.
Quando
chegara na casa já tinha tido a alegria de ver uma alameda florida e agora
algumas flores do jardim estavam ali para recepciona-la.
E
a cama... Simone pôs as mãos na boca para abafar o iminente grito. Centenas de
pétalas de rosas brancas enfeitavam o colchão, e o perfume emanava no ambiente.
Tudo
era um sonho, mas um delicioso sonho, pensou ela enquanto deslizava para a cama
e se embrenhava nas pétalas, esfregando no rosto e nos braços. Uma vez sonhou
que o noivo fazia essa surpresa para ela na noite de núpcias e esse agora o
sonho era realidade.
Para
que tudo ficasse perfeito só faltava o canto dos passarinhos, mas mesmo com o
céu azul sem nuvens e o sol brilhando, o silêncio lá fora era perturbador.
Não
sabia por quanto tempo permaneceria na casa, mas só esses momentos mágicos
bastariam para que se lembrasse para sempre dessas maravilhosas horas que
esteve ali. Quando ela e seu futuro marido estivessem bem velhinhos, contaria
aos seus netos e bisnetos da casa amarela, o lugar que descobriu sua
felicidade.
Emaranhada
de pétalas das rosas brancas pelo corpo inteiro, Simone pegou no sono e dormiu
com um sorriso nos lábios.
VII
-
Eles estão dormindo, Doutor - a moça de uniforme branco comunicou.
-
Eu sei - comentou o Doutor. Os dois estavam em um aposento de paredes brancas
onde só haviam duas cadeiras, uma em frente da outra, de mobília. A porta do
aposento estava aberta e mostrava o corredor com seis portas fechadas. - A
partir de agora algumas coisas vão acontecer com eles, e é claro que ficarão
confusos.
-
Mas o Doutor vai ajuda-los - disse a moça sorrindo.
O
Doutor também sorriu.
-
Claro que vou ajuda-los. É para isso que estou aqui.
Continua...
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